segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Experiência de uma Maratonista - Rute Pinto



Breve Partilha de uma recém-maratonista, que não é mais do que uma rapariga comum que GOSTA DE CORRER!!
Ora, vou começar da mesma forma que começam as histórias:

”Era uma vez uma rapariga chamada Rute, uma rapariga comum, igual a tantas outras, que tinha descoberto após longos anos de sedentarismo e alguns quilinhos a mais, um gosto pela prática de desporto, e particularmente pela corrida. Tudo na corrida lhe fazia sentido, era como se tivesse uma aptidão natural: a questão rítmica, a sensação de movimento, o colocar de um pé após o outro, a postura, a boa resistência cardíaca, a sensação de bem estar e sobretudo a sensação de liberdade que lhe proporcionava.

Essa rapariga sou eu, e a corrida, como eu a entendo, não tem um guião ou manual a seguir, cada um vai construído o seu estilo próprio. É o fantástico da corrida, praticamente está acessível a toda a gente, que tenha um bom par de sapatilhas e goste de estar em movimento.

Longe destas lides, e de me imaginar um dia a correr uma Maratona comecei a correr no tapete do ginásio com alguma frequência. Primeiro, corria sempre meia hora, até que um dia, sem mais nem menos, decidi vou correr 1 hora, não 40 ou 45 minutos, 1 hora. E corri. Cheguei ao fim, e lembro-me de ter pensado: “andei aqui tanto tempo a correr meia hora, dentro da minha zona de conforto e conseguia fazer muito mais.”E foi esta linha de pensamento que me transportou até á Maratona".

 Gradualmente, fui desenvolvendo capacidades, intensificando os treinos em termos de rotatividade semanal e em número de kms, aperfeiçoando posturas, mas sempre de forma natural. Todos os avanços que fazia eram sobretudo resultado dessa minha capacidade de me aventurar por territórios desconhecidos e sem nenhuma certeza de o conseguir, exceto a confiança que a minha força de vontade e teimosia nunca me iriam deixar ficar mal. Foi assim com a passagem da meia hora para uma hora no tapete e foi assim com a Maratona. Parece loucura não é? Mas antes de fazer a Meia Maratona do Porto já tinha pensado em fazer a Maratona, a primeira serviu apenas como um ensaio para a peça principal.
Assim fiz, e nunca mais essa ideia me saiu da cabeça.

Agora a Maratona propriamente dita…

Aliás, a Preparação para a Maratona (isto vai ser demorado).

A verdadeira Maratona e o desafio para mim foi o de cumprir um plano de treino. Avessa como sempre fui a rotinas e planos pré-determinados esta foi a minha verdadeira prova de fogo. Optei por seguir o Plano de Treino disponibilizado pelo site da RunPorto, e por realizar o treino para atletas que queriam terminar entre as 3h30m e as 4 horas. Longe de fazer disso um objetivo, pensei exatamente como pensava nos tempos de estudante: “se quero tirar um 15, tenho de estudar para um 17”.

Assim, fiz por cumprir quase a totalidade do Plano, o que não se revelou fácil principalmente por não ter muito tempo disponível. Conseguia ir treinar sempre ao fim do dia, depois de dias intensos de trabalho e onde a rotina diária era chegar a casa calçar umas sapatilhas e ir correr. Ás vezes, faltavam-me as forças físicas, mas eram sobretudo o cansaço psicológico e a saturação da rotina que se apresentavam como maiores obstáculos. Tinha dias que contava com a Audrey Pais (minha grande amiga e membro dos No Tomorrow) para “dar cabo de mim”, fresquinha puxava por mim e fazia com que fosse mais longe em termos de esforço, e no final agradecia-lhe sempre. Mas eu própria puxava por mim. Incluía o máximo de subidas no percurso diário, a subida da Santa Rita (para quem conhece Ermesinde) era passagem quase obrigatória, ás vezes até duas vezes no mesmo dia. Forcei-me também a realizar o treino de séries, custosas, sobretudo quando fiquei também órfã de ginásio, e tinha de as realizar no exterior a fazer acelerações sucessivas e a despertar os olhares dos que passavam.

Já os fins-de-semana, e sobretudo os Domingos de manhã eram os treinos favoritos, treinos longos, sempre diferentes e sempre a bater records e ultrapassar barreiras. Aí tinha a companhia da minha amiga Sílvia, com quem fiz a maluqueira de correr 30Kms no tapete, por exemplo. Depois de cada Domingo sentia-me sempre mais forte para aguentar a semana seguinte, embora teoricamente o desgaste fosse maior.

E assim prossegui, ciente de que o ditado “O que não nos mata torna-nos mais fortes” nunca fez tanto sentido antes. Ia concluir a Maratona do Porto no dia 28 de Outubro de 2012 porque era capaz disso!! E porque sou teimosa!! J

O DIA!!!!!!!

ACORDEI!! ……“O relógio não despertou, são 6h45.. A Érica Reis e o Paulo Graça estão aí ás 7h10, esquece o pequeno-almoço demorado e tranquilo, não há muito que pensar.. E o frio?!! Esquece veste os calções, não há tempo para hesitações.”
8h00: E estamos a entrar no autocarro que nos vai transportar do Parque da Cidade até ao Palácio de Cristal - Tá um frio que não se pode, eu de calções curtinhos e até que nem estou assim tão gelada, que estranho!!”
8h15: Avistamos o Pedro e o Paulo, “as lebres” do nosso grupo e corredores mais experientes. O Paulo Gomes apresenta-se aparentemente calmo, mas o Pedro revela aquela excitação e ansiedade que eu estava a sentir.
8h55: Estamos os 4, eu, a Érica, o Pedro e o Paulo Gomes, junto á linha de partida no meio dos outros maratonistas. Já não se sentia frio, o senhor do micro informava que brevemente ia ser dado o tiro de partida. Ouvia-se uma música, olhei para eles os três e os olhos humedeceram-se.. De repente, ouviu-se PUMMM!!

Tinha começado!...

Era este o momento para o qual me tinha preparado, mas ia fazer o máximo por distrair a mente, ia simplesmente correr sem pensar em kms e tempos. Ia lado a lado com a Érica Reis, minha amiga e “caloira” como eu. Lembro-me de ir a tagarelar constantemente, fiquei sem música assim que tentei ligar o mp3, e na falta de melhor tagarelava para me manter a mim e a ela distraídas. Quando dei por mim, já tínhamos passado o Parque da Cidade em direção a Matosinhos e foi aí, que surgiram dois senhores, que após repararem que era a nossa 1ª Maratona (graças á tshirt da Érica) afirmaram que íamos a um ritmo muito rápido e assim não iriamos chegar ao fim.  Instintivamente senti que aqueles dois se estavam a intrometer demasiado e não me iria divertir a correr lado-a-lado com eles. Provavelmente não o disseram por mal, mas o fato de quererem controlar o meu ritmo de corrida, iria a longo prazo fazer com que caísse num entorpecimento e precisava de pica e adrenalina. Olhei para a Érica, que  me disse que fosse indo.

Segui e devo ter dado corda nas sapatilhas, porque dali a pouco já estava próxima da Rotunda do Parque da Cidade e a ouvir o senhor do microfone a dizer:” os corredores da Maratona  seguem á direita, os da Family Race á esquerda. Senti um arrepio, tinha vivido aquela situação o ano passado, mas desta vez ia virar á direita e prosseguir.

Abrandei e fiz o abastecimento de água logo ali no inicio da Avenida Brasil. Ainda era cedo para tomar o gel isotónico, não sentia necessidade, mas estipulei para mim mesma, que ao km 20 o iria fazer para não facilitar e entrar na exaustão. Tinha lido alguns artigos sobre alimentação e hidratação nos dias anteriores, e muitos atletas confessavam ir a um bom ritmo e a sentirem-se muito bem, e de repente quebravam sem razão aparente. Mas a razão existia, e era a falta de glicogénio nos músculos. Pensei: “Hoje não é dia para cometeres parvoíces dessas” e não as cometi.

            A partir daí, comecei a sentir a verdadeira Maratona. Os atletas da Family Race dissiparam-se e surgiu um enorme espaço á minha volta. Senti uma liberdade de movimentos e comecei a sentir toda e qualquer palavra de incentivo vinda das pessoas que assistiam, e as quais cumprimentava com um aceno e sonoro :”Obrigada”! Sentia toda aquela envolvência, sorria, sentia energia, vibrava com as pessoas a chamarem pelo meu nome. Pessoas que não me conheciam, de várias nacionalidades (muitos espanhóis e italianos) ali a gritar o meu nome. Não tinha música nos ouvidos e agradeço o momento em que o mp3 falhou, só assim eu pude viver todo aquele ambiente, e tirar o máximo da experiência. Não tenho como retribuir tudo que aquelas pessoas me deram naquele dia.

Quando dei por mim estava a passar a Ribeira e a Ponte D. Luís, onde estava uma claque muito organizada com balões e cartazes e também me acenaram com palavras de incentivo.

 Já na Afurada, e com cerca de  27 km nas pernas, levava comigo o gel numa mão, na outra a garrafa de água ciente que iriam ser eles os meus companheiros nos restantes kms. Aí vi o Paulo Graça á espera da Érica para a acompanhar nos kms restantes, e disse-lhe que a Érica devia estar a chegar com uns senhores. Mais á frente, voltei a ver a Érica e disse-lhe: O Paulo está a tua espera. Encontramo-nos na Meta. E prossegui bem mais sossegada.

 O vento fazia-se sentir e bastante no regresso da Afurada. Aí senti-me forçada a diminuir o ritmo, mas reparei que toda a gente evidenciava sinais de dificuldade e procurei focalizar-me em chegar ao Cais de Gaia, lá com certeza que o movimento de pessoas me iria ajudar a prosseguir. Mais á frente, já na Ponte D. Luís estava a mesma claque incansável, com um cartaz a dizer : ”Força!!”, acenei, sorri e lembro-me de pensar já estou do lado de cá do rio, já não falta muito. Não estava era a contar com um pequeno desvio no sentido do Freixo, mas mantive-me serena, não demoraria muito entrar no túnel da Ribeira e depois era sempre em direção ao Parque da Cidade.

A partir daí, e do km 33 era tudo desconhecido para mim. Não sabia como ia o meu corpo reagir e a minha única preocupação era manter a postura que me tinha levado até ali, segura que a mesma atitude me conduziria até a Meta. Fui definindo pequenos objetivos, e apanhando diversas “boleias”, com quem marcava passo e depois seguia. Senhores corredores, que me desculpem por os abandonar, mas todos nos apoiamos uns dos outros nestas alturas, e ninguém leva a mal. O objetivo seguinte era ultrapassar a Ponte da Arrábida e o temível muro dos 36 kms. Não o vi por ali, provavelmente alguém o mudou de lugar, J para o km 38, à chegada ao Passeio Alegre.

Aí senti e vi toda a gente a diminuir de ritmo, inclusive eu, que senti um súbito cansaço nas pernas. Alguns corredores paravam e caminhavam, mas as minhas pernas estavam com o piloto automático ligado e não iam parar exceto no Parque da Cidade. Na minha cabeça, a frase de Gandhi: “A força não provêm da capacidade física, mas de uma vontade indomável”!!

Neste estado de espírito estou a entrar na Avenida Brasil, lá ao fundo o Castelo do Queijo, e eis quando vejo surgir ao meu lado o Milo, a Paula e o Ricardo. Sinto uma imediata  vontade de chorar, eles tinham vindo para me acompanhar na reta final. Fui tanto tempo sozinha (ainda que não estivesse realmente só, tantas as pessoas que me acompanharam e incentivaram) mas ver as caras conhecidas dos meus amigos dos No Tomorrow  deu-me uma força incrível. O Milo, no seu jeito habitual : ”Miúda, vamos só manter esta passada, que estamos quase lá! E eu respondia: ”De repente ganhei asas nos pés”, sorria, acenava e respondia ás pessoas que me aplaudiam e incentivavam.

Em mim já não havia qualquer réstia de cansaço, ia em festa, a sorrir e a pensar, isto é tudo Incrível, não há palavras! O senhor do micro continuava na sua descrição personalizada do que estava a acontecer, estava a falar de mim, e eu estava mesmo a chegar. Olhei finalmente para a linha da Meta e para a indicação de tempo: 4h10 recebidos com surpresa, não fazia a mais pálida ideia do tempo que tinha passado desde o tiro de partida. O relógio tinha ficado estrategicamente em casa.

O cortar da Meta foi intenso, quis prolongar aquele momento o máximo de tempo possível. Dentro de mim, um turbilhão de emoções: estava eufórica, ainda incrédula que tinha sido tudo quase perfeito, não tinha dores, não estava cansada, não estava enjoada. As minhas pernas pareciam até resmungar por ter parado de correr, e inquieta andava de um lado para o outro, enquanto esperava pela chegada da Érica. Sem ela, a vitória não estaria completa. Eis que surge a Érica, também ela escoltada por esta fantástica equipa e foi a “cereja no cimo do bolo”. Abraçamo-nos, tínhamos conseguido alcançar o que tínhamos combinado 1 ano antes!

            O que se passou a seguir quando nos juntamos ao grupo pode-se resumir (e para não me alongar muito mais) em abraços sucessivos, risos, fotografias, flash interviews improvisadas, e um sem número de emoções impossíveis de descrever!

Andei nas nuvens o resto do dia, da semana e ainda hoje ao recordar me sinto assim a flutuar.

Posfácio:
Com tudo isto e com o minha partilha deste dia único e memorável, o que pretendo transmitir é que há momentos na vida que nos recompensam em dobro todo e qualquer esforço ou sacrifício a que nos tenhamos predisposto para o alcançar. Este foi um desses momentos. É incrível como podemos ser felizes a fazer aquilo que gostamos e chegar a alcançar aquilo que nunca imaginamos vir a conquistar na nossa vida.

Comecei por dizer que sou uma rapariga perfeitamente comum, e volto a referi-lo, porque acho que é importante transmitir que o que alcancei no dia 28 de Outubro de 2012 pode estar ao alcance de qualquer outra rapariga/rapaz, desde que partilhe o mesmo gosto pela corrida e não tenha receio de se aventurar por territórios desconhecidos. No limite, temos sempre duas opções: observar o obstáculo como acessível ou inacessível, eu escolhi olhá-lo como acessível e dei-me bem com a escolha.

Outra coisa muito positiva no meu percurso foi ter encontrado pessoas com quem partilhar estas pequenas grandes conquistas os “No Tomorrow - Running Team”. É o meu grupo de corrida, mas é constituído por verdadeiros amigos, daqueles que esperam pelos outros horas seguidas, que se alegram pelas suas vitórias, que respeitam o seu espaço e ritmo individuais, que não cobram ou exigem e sabem dar apoio quando é mais preciso. 

Fazem com que tudo seja mais fácil!

OBRIGADO POR ISSO!!

 Aos que me estejam a ouvir: Corram sempre com a cabeça, mas sobretudo com muito coração e deixem fluir naturalmente…. porque se arriscam a alcançar o impensável! J

Rute Pinto


6 comentários:

  1. FANTÁSTICO ... um exemplo a seguir ... sem dúvida:) Parabéns pelo teu caminho, pelo teu esforço, pela tua teimosia ... parabéns :)Beijinhos:)

    Leninha Lobão :)

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    1. Só vi hoje esta mensagem aqui!!
      Obrigada Leninha!!;D
      Há caminhos que dps de iniciados só nos podem conduzir a um único lugar.. áquele onde queremos chegar!!E quando a vontade de chegar é muita,normalmente materializa-se!!´;D
      Vai apreciando o caminhoo, o resto acontece naturalmente!!;D um beijinhooo

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  2. realmente obrigado pela partilha é sem dúvida um testemunho de como cada um de nós lá consegue chegar apenas é necessário o espirito correcto.

    parabéns e venha a próxima que o resto dos comuns continuam a tentar :)

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    1. Muito obrigada!! Só agora reparei que tinha aqui esta mensagem e agradeço as palavras!!;D
      Acredito que o espirito é tanto ou muito mais importante do que a preparação fisica, porque nos momentos chave é ele que nos faz prosseguir!!;D
      Por isso, o importante é ir correndo, disfrutar da sensação, apreciar as pequenas vitórias..mas tb as pequenas derrotas, porque são essas que nos tornam mais resistentes!!
      Boas Corridas!!;D

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  3. Promita, tinha quase a certeza que tinha comentado este texto, talvez o tenha feito no facebook, mas este teu relato merece os parabéns também aqui! Atingiste a tua meta com esforço e muita dedicação... correste com o coração, e conseguiste! Tenho muito orgulho em ti e na tua força, e que Domingo tenhas tanta força como no dia da tua 1ª maratona. Beijos e vais conseguir novamente! ;)

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  4. olá Rute, não sei se vais ler esats palavras. Mas eu sou um dos senhores de Lisboa que, como tu escreves se intrometeram. Parabéns por esta descrição da tua experiencia. Boa sorte

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