Breve Partilha de uma
recém-maratonista, que não é mais do que uma rapariga comum que GOSTA DE
CORRER!!
Ora, vou começar da mesma forma que
começam as histórias:
”Era uma vez uma rapariga chamada
Rute, uma rapariga comum, igual a tantas outras, que tinha descoberto após
longos anos de sedentarismo e alguns quilinhos a mais, um gosto pela prática de
desporto, e particularmente pela corrida. Tudo na corrida lhe fazia sentido,
era como se tivesse uma aptidão natural: a questão rítmica, a sensação de
movimento, o colocar de um pé após o outro, a postura, a boa resistência
cardíaca, a sensação de bem estar e sobretudo a sensação de liberdade que lhe proporcionava.
Essa rapariga sou eu, e a corrida,
como eu a entendo, não tem um guião ou manual a seguir, cada um vai construído
o seu estilo próprio. É o fantástico da corrida, praticamente está acessível a
toda a gente, que tenha um bom par de sapatilhas e goste de estar em movimento.
Longe destas lides, e de me imaginar
um dia a correr uma Maratona comecei a correr no tapete do ginásio com alguma
frequência. Primeiro, corria sempre meia hora, até que um dia, sem mais nem menos,
decidi vou correr 1 hora, não 40 ou 45 minutos, 1 hora. E corri. Cheguei ao
fim, e lembro-me de ter pensado: “andei aqui tanto tempo a correr meia hora,
dentro da minha zona de conforto e conseguia fazer muito mais.”E foi esta linha
de pensamento que me transportou até á Maratona".
Gradualmente, fui desenvolvendo capacidades,
intensificando os treinos em termos de rotatividade semanal e em número de kms,
aperfeiçoando posturas, mas sempre de forma natural. Todos os avanços que fazia
eram sobretudo resultado dessa minha capacidade de me aventurar por territórios
desconhecidos e sem nenhuma certeza de o conseguir, exceto a confiança que a
minha força de vontade e teimosia nunca me iriam deixar ficar mal. Foi assim
com a passagem da meia hora para uma hora no tapete e foi assim com a Maratona.
Parece loucura não é? Mas antes de fazer a Meia Maratona do Porto já tinha
pensado em fazer a Maratona, a primeira serviu apenas como um ensaio para a
peça principal.
Assim fiz, e nunca mais essa ideia me
saiu da cabeça.
Agora a Maratona propriamente dita…
Aliás, a Preparação para a Maratona
(isto vai ser demorado).
A verdadeira Maratona e o desafio para
mim foi o de cumprir um plano de treino. Avessa como sempre fui a rotinas e
planos pré-determinados esta foi a minha verdadeira prova de fogo. Optei por seguir
o Plano de Treino disponibilizado pelo site da RunPorto, e por realizar o
treino para atletas que queriam terminar entre as 3h30m e as 4 horas. Longe de
fazer disso um objetivo, pensei exatamente como pensava nos tempos de
estudante: “se quero tirar um 15, tenho de estudar para um 17”.
Assim, fiz por cumprir quase a
totalidade do Plano, o que não se revelou fácil principalmente por não ter
muito tempo disponível. Conseguia ir treinar sempre ao fim do dia, depois de
dias intensos de trabalho e onde a rotina diária era chegar a casa calçar umas
sapatilhas e ir correr. Ás vezes, faltavam-me as forças físicas, mas eram
sobretudo o cansaço psicológico e a saturação da rotina que se apresentavam
como maiores obstáculos. Tinha dias que contava com a Audrey Pais (minha grande
amiga e membro dos No Tomorrow) para “dar cabo de mim”, fresquinha puxava por
mim e fazia com que fosse mais longe em termos de esforço, e no final
agradecia-lhe sempre. Mas eu própria puxava por mim. Incluía o máximo de
subidas no percurso diário, a subida da Santa Rita (para quem conhece
Ermesinde) era passagem quase obrigatória, ás vezes até duas vezes no mesmo
dia. Forcei-me também a realizar o treino de séries, custosas, sobretudo quando
fiquei também órfã de ginásio, e tinha de as realizar no exterior a fazer
acelerações sucessivas e a despertar os olhares dos que passavam.
Já os fins-de-semana, e sobretudo os
Domingos de manhã eram os treinos favoritos, treinos longos, sempre diferentes
e sempre a bater records e ultrapassar barreiras. Aí tinha a companhia da minha
amiga Sílvia, com quem fiz a maluqueira de correr 30Kms no tapete, por exemplo.
Depois de cada Domingo sentia-me sempre mais forte para aguentar a semana
seguinte, embora teoricamente o desgaste fosse maior.
E assim prossegui, ciente de que o
ditado “O que não nos mata torna-nos mais fortes” nunca fez tanto sentido
antes. Ia concluir a Maratona do Porto no dia 28 de Outubro de 2012 porque era
capaz disso!! E porque sou teimosa!! J
O
DIA!!!!!!!
ACORDEI!!
……“O relógio não despertou, são 6h45.. A Érica Reis e o Paulo Graça estão aí
ás 7h10, esquece o pequeno-almoço demorado e tranquilo, não há muito que
pensar.. E o frio?!! Esquece veste os calções, não há tempo para hesitações.”
8h00:
E estamos a entrar no autocarro que nos vai transportar do Parque da Cidade até
ao Palácio de Cristal - Tá um frio que não se pode, eu de calções curtinhos e até
que nem estou assim tão gelada, que estranho!!”
8h15:
Avistamos o Pedro e o Paulo, “as lebres” do nosso grupo e corredores mais
experientes. O Paulo Gomes apresenta-se aparentemente calmo, mas o Pedro revela
aquela excitação e ansiedade que eu estava a sentir.
8h55: Estamos os 4, eu, a Érica, o Pedro e o Paulo Gomes, junto á linha de
partida no meio dos outros maratonistas. Já não se sentia frio, o senhor do micro
informava que brevemente ia ser dado o tiro de partida. Ouvia-se uma música,
olhei para eles os três e os olhos humedeceram-se.. De repente, ouviu-se
PUMMM!!
Tinha
começado!...
Era este o momento para o qual me
tinha preparado, mas ia fazer o máximo por distrair a mente, ia simplesmente
correr sem pensar em kms e tempos. Ia lado a lado com a Érica Reis, minha amiga
e “caloira” como eu. Lembro-me de ir a tagarelar constantemente, fiquei sem
música assim que tentei ligar o mp3, e na falta de melhor tagarelava para me
manter a mim e a ela distraídas. Quando dei por mim, já tínhamos passado o
Parque da Cidade em direção a Matosinhos e foi aí, que surgiram dois senhores,
que após repararem que era a nossa 1ª Maratona (graças á tshirt da Érica)
afirmaram que íamos a um ritmo muito rápido e assim não iriamos chegar ao fim. Instintivamente senti que aqueles dois se
estavam a intrometer demasiado e não me iria divertir a correr lado-a-lado com
eles. Provavelmente não o disseram por mal, mas o fato de quererem controlar o
meu ritmo de corrida, iria a longo prazo fazer com que caísse num
entorpecimento e precisava de pica e adrenalina. Olhei para a Érica, que me disse que fosse indo.
Segui e devo ter dado corda nas sapatilhas,
porque dali a pouco já estava próxima da Rotunda do Parque da Cidade e a ouvir
o senhor do microfone a dizer:” os corredores da Maratona seguem á direita, os da Family Race á
esquerda. Senti um arrepio, tinha vivido aquela situação o ano passado, mas
desta vez ia virar á direita e prosseguir.
Abrandei e fiz o abastecimento de água
logo ali no inicio da Avenida Brasil. Ainda era cedo para tomar o gel
isotónico, não sentia necessidade, mas estipulei para mim mesma, que ao km 20 o
iria fazer para não facilitar e entrar na exaustão. Tinha lido alguns artigos
sobre alimentação e hidratação nos dias anteriores, e muitos atletas
confessavam ir a um bom ritmo e a sentirem-se muito bem, e de repente quebravam
sem razão aparente. Mas a razão existia, e era a falta de glicogénio nos
músculos. Pensei: “Hoje não é dia para cometeres parvoíces dessas” e não as
cometi.
A
partir daí, comecei a sentir a verdadeira Maratona. Os atletas da Family Race
dissiparam-se e surgiu um enorme espaço á minha volta. Senti uma liberdade de
movimentos e comecei a sentir toda e qualquer palavra de incentivo vinda das
pessoas que assistiam, e as quais cumprimentava com um aceno e sonoro
:”Obrigada”! Sentia toda aquela envolvência, sorria, sentia energia, vibrava
com as pessoas a chamarem pelo meu nome. Pessoas que não me conheciam, de
várias nacionalidades (muitos espanhóis e italianos) ali a gritar o meu nome. Não
tinha música nos ouvidos e agradeço o momento em que o mp3 falhou, só assim eu
pude viver todo aquele ambiente, e tirar o máximo da experiência. Não tenho
como retribuir tudo que aquelas pessoas me deram naquele dia.
Quando dei por mim estava a passar a
Ribeira e a Ponte D. Luís, onde estava uma claque muito organizada com balões e
cartazes e também me acenaram com palavras de incentivo.
Já na Afurada, e com cerca de 27 km nas pernas, levava comigo o gel numa mão,
na outra a garrafa de água ciente que iriam ser eles os meus companheiros nos
restantes kms. Aí vi o Paulo Graça á espera da Érica para a acompanhar nos kms
restantes, e disse-lhe que a Érica devia estar a chegar com uns senhores. Mais
á frente, voltei a ver a Érica e disse-lhe: O Paulo está a tua espera.
Encontramo-nos na Meta. E prossegui bem mais sossegada.
O vento fazia-se sentir e bastante no regresso
da Afurada. Aí senti-me forçada a diminuir o ritmo, mas reparei que toda a
gente evidenciava sinais de dificuldade e procurei focalizar-me em chegar ao
Cais de Gaia, lá com certeza que o movimento de pessoas me iria ajudar a prosseguir.
Mais á frente, já na Ponte D. Luís estava a mesma claque incansável, com um
cartaz a dizer : ”Força!!”, acenei, sorri e lembro-me de pensar já estou do
lado de cá do rio, já não falta muito. Não estava era a contar com um pequeno
desvio no sentido do Freixo, mas mantive-me serena, não demoraria muito entrar no túnel da Ribeira e depois era sempre em direção ao Parque da
Cidade.
A partir daí, e do km 33 era tudo
desconhecido para mim. Não sabia como ia o meu corpo reagir e a minha única
preocupação era manter a postura que me tinha levado até ali, segura que a
mesma atitude me conduziria até a Meta. Fui definindo pequenos objetivos, e
apanhando diversas “boleias”, com quem marcava passo e depois seguia. Senhores corredores, que me desculpem por os abandonar,
mas todos nos apoiamos uns dos outros nestas alturas, e ninguém leva a mal. O
objetivo seguinte era ultrapassar a Ponte da Arrábida e o temível muro dos 36
kms. Não o vi por ali, provavelmente alguém o mudou de lugar, J para o km 38, à chegada ao Passeio
Alegre.
Aí senti e vi toda a gente a diminuir
de ritmo, inclusive eu, que senti um súbito cansaço nas pernas. Alguns
corredores paravam e caminhavam, mas as minhas pernas estavam com o piloto
automático ligado e não iam parar exceto no Parque da Cidade. Na minha cabeça,
a frase de Gandhi: “A força não provêm da capacidade física, mas de uma vontade
indomável”!!
Neste estado de espírito estou a
entrar na Avenida Brasil, lá ao fundo o Castelo do Queijo, e eis quando vejo
surgir ao meu lado o Milo, a Paula e o Ricardo. Sinto uma imediata vontade de chorar, eles tinham vindo para me
acompanhar na reta final. Fui tanto tempo sozinha (ainda que não estivesse
realmente só, tantas as pessoas que me acompanharam e incentivaram) mas ver as
caras conhecidas dos meus amigos dos No Tomorrow deu-me uma força incrível. O Milo, no seu
jeito habitual : ”Miúda, vamos só manter esta passada, que estamos quase lá! E
eu respondia: ”De repente ganhei asas nos pés”, sorria, acenava e respondia ás
pessoas que me aplaudiam e incentivavam.
Em mim já não havia qualquer réstia de
cansaço, ia em festa, a sorrir e a pensar, isto é tudo Incrível, não há
palavras! O senhor do micro continuava na sua descrição personalizada do que
estava a acontecer, estava a falar de mim, e eu estava mesmo a chegar. Olhei
finalmente para a linha da Meta e para a indicação de tempo: 4h10 recebidos com
surpresa, não fazia a mais pálida ideia do tempo que tinha passado desde o tiro
de partida. O relógio tinha ficado estrategicamente em casa.
O cortar da Meta foi intenso, quis
prolongar aquele momento o máximo de tempo possível. Dentro de mim, um
turbilhão de emoções: estava eufórica, ainda incrédula que tinha sido tudo
quase perfeito, não tinha dores, não estava cansada, não estava enjoada. As
minhas pernas pareciam até resmungar por ter parado de correr, e inquieta
andava de um lado para o outro, enquanto esperava pela chegada da Érica. Sem
ela, a vitória não estaria completa. Eis que surge a Érica, também ela escoltada
por esta fantástica equipa e foi a “cereja no cimo do bolo”. Abraçamo-nos,
tínhamos conseguido alcançar o que tínhamos combinado 1 ano antes!
O
que se passou a seguir quando nos juntamos ao grupo pode-se resumir (e para não
me alongar muito mais) em abraços sucessivos, risos, fotografias, flash
interviews improvisadas, e um sem número de emoções impossíveis de descrever!
Andei
nas nuvens o resto do dia, da semana e ainda hoje ao recordar me sinto assim a
flutuar.
Posfácio:
Com tudo isto e com o minha partilha deste
dia único e memorável, o que pretendo transmitir é que há momentos na vida que
nos recompensam em dobro todo e qualquer esforço ou sacrifício a que nos
tenhamos predisposto para o alcançar. Este foi um desses momentos. É incrível
como podemos ser felizes a fazer aquilo que gostamos e chegar a alcançar aquilo
que nunca imaginamos vir a conquistar na nossa vida.
Comecei por dizer que sou uma rapariga
perfeitamente comum, e volto a referi-lo, porque acho que é importante
transmitir que o que alcancei no dia 28 de Outubro de 2012 pode estar ao
alcance de qualquer outra rapariga/rapaz, desde que partilhe o mesmo gosto pela
corrida e não tenha receio de se aventurar por territórios desconhecidos. No
limite, temos sempre duas opções: observar o obstáculo como acessível ou
inacessível, eu escolhi olhá-lo como acessível e dei-me bem com a escolha.
Outra coisa muito positiva no meu
percurso foi ter encontrado pessoas com quem partilhar estas pequenas grandes
conquistas os “No Tomorrow - Running Team”. É o meu grupo de corrida, mas é
constituído por verdadeiros amigos, daqueles que esperam pelos outros horas
seguidas, que se alegram pelas suas vitórias, que respeitam o seu espaço e
ritmo individuais, que não cobram ou exigem e sabem dar apoio quando é mais
preciso.
Fazem com que tudo seja mais fácil!
OBRIGADO POR ISSO!!
Aos que me estejam a ouvir: Corram sempre com
a cabeça, mas sobretudo com muito coração e deixem fluir naturalmente…. porque
se arriscam a alcançar o impensável! J
Rute Pinto
FANTÁSTICO ... um exemplo a seguir ... sem dúvida:) Parabéns pelo teu caminho, pelo teu esforço, pela tua teimosia ... parabéns :)Beijinhos:)
ResponderEliminarLeninha Lobão :)
Só vi hoje esta mensagem aqui!!
EliminarObrigada Leninha!!;D
Há caminhos que dps de iniciados só nos podem conduzir a um único lugar.. áquele onde queremos chegar!!E quando a vontade de chegar é muita,normalmente materializa-se!!´;D
Vai apreciando o caminhoo, o resto acontece naturalmente!!;D um beijinhooo
realmente obrigado pela partilha é sem dúvida um testemunho de como cada um de nós lá consegue chegar apenas é necessário o espirito correcto.
ResponderEliminarparabéns e venha a próxima que o resto dos comuns continuam a tentar :)
Muito obrigada!! Só agora reparei que tinha aqui esta mensagem e agradeço as palavras!!;D
EliminarAcredito que o espirito é tanto ou muito mais importante do que a preparação fisica, porque nos momentos chave é ele que nos faz prosseguir!!;D
Por isso, o importante é ir correndo, disfrutar da sensação, apreciar as pequenas vitórias..mas tb as pequenas derrotas, porque são essas que nos tornam mais resistentes!!
Boas Corridas!!;D
Promita, tinha quase a certeza que tinha comentado este texto, talvez o tenha feito no facebook, mas este teu relato merece os parabéns também aqui! Atingiste a tua meta com esforço e muita dedicação... correste com o coração, e conseguiste! Tenho muito orgulho em ti e na tua força, e que Domingo tenhas tanta força como no dia da tua 1ª maratona. Beijos e vais conseguir novamente! ;)
ResponderEliminarolá Rute, não sei se vais ler esats palavras. Mas eu sou um dos senhores de Lisboa que, como tu escreves se intrometeram. Parabéns por esta descrição da tua experiencia. Boa sorte
ResponderEliminar