domingo, 18 de novembro de 2012

"Completei uma maratona! Sou maratonista!" by Érica Reis



Completei uma maratona! Sou maratonista! Eis duas frases que nunca pensei dizer… Se à pouco mais de dois anos alguém me pedisse para fazer o aquecimento de um qualquer exercício na passadeira, a minha resposta era quase sempre um revirar de olhos e o queixume habitual ‘CORRER NÃO, TUDO MENOS CORRER!!!’ . Então como cheguei aqui?? Vamos por partes….

No início de 2009 decidi que tinha de voltar ao ginásio: já não fazia desporto regularmente à dois anos, a balança rondava os 80 e muitos quilogramas, a auto-estima estava em baixo, o corpo começava a queixar-se de coisas que um corpo de 25 anos não se devia queixar. Nessa altura ir ao ginásio era quase uma obrigação: os últimos anos tinham sido de muito trabalho e estudo, e sabia tão bem poder ir para casa, vestir o pijama e relaxar…. Mas, dia após dia, a obrigação tornou-se prazer, e desde então sou completamente viciada em actividade física: dá-me bem estar, dá-me um corpo cada vez mais funcional, dá-me uma paz de espírito que não consigo encontrar em mais lado nenhum! Mas nada de correr, isso não é para mim… ‘Dá-me dor de burro! Dói-me o tornozelo! NÃO CONSIGO!’… Assim foi até ao final de 2010, ano em que tomei uma das poucas resoluções de ano novo que realmente cumpri:

Em 2011 vou correr!!

Estava a precisar de um novo desafio: o que fazia no ginásio já era um dado adquirido, e estava a sentir-me presa. Então, no dia 1 de Janeiro de 2011 – sem GPS, sem corta-vento, sem as sapatilha XPTO – atirei-me à estrada.

Fiquei agarrada!

Nesse ano comecei a fazer algumas das corridas de estrada organizadas pela RunPorto: Corrida do Dia do Pai, Corrida da São João, e foi no final desta corrida que pensei: ‘Se consegui fazer 15 km também devo conseguir fazer 21 km’. No dia seguinte começou o treino para a primeira meia-maratona, que aconteceu no dia 18 de Setembro de 2011. Quando me lembro desta corrida lembro-me da Rute (companheira de corrida), lembro-me da ansiedade que antecedeu a partida, lembro-me de chegar à meta e de pensar ‘Óóóó, já acabou…’.

E assim ficou semeada a ideia da maratona!

O ano de 2012 foi um ano em cheio: 5 meias-maratonas em estrada, uma em trail, várias corridas mais curtas, muitas corridas entre amigos e, no topo de tudo isto, a preparação para a maratona do Porto!
Pode-se dizer que a preparação começou em Maio, mês em que fizemos a primeira meia-maratona da temporada. Após esta fase procurei o plano que mais se adequava para mim: sabia que não podia correr todos os dias (dores de joelhos e canelas não deixam), sabia que tinha de poder incluir outras actividades (por muito que goste de correr não passo sem outros tipos exercício); quando o plano ficou escolhido foi uma questão de começar!

Este treino nem sempre foi fácil: surgiu uma altura em que correr era uma obrigação, assim como tudo o que tinha de fazer para poder correr: o que comer, o que beber, o que podia treinar no dia anterior, quando podia sair… Umas semanas depois, e tão rápido quanto surgiu a falta de vontade de treinar, voltei a ter prazer em me atirar à estrada!

E finalmente chegou a semana anterior à corrida! Nessa semana os quilómetros são reduzidos, as horas normalmente passadas no ginásio também diminuem, e finalmente dei ao corpo algum descanso para também conseguir recuperar do cansaço acumulado ao longo dos últimos meses de treino. Sexta-feira pela manhã fui levantar o dorsal e a t-shirt e mais uma vez instalou-se a dúvida: será que sou capaz disto? Ao ver todos os corpos extremamente em forma de atletas mais experientes não sou capaz de suster as dúvidas em mim própria… Mas a adrenalina nestes dias já era tão grande que este sentimento depressa deu lugar à sensação de que nunca mais chegava domingo!

Domingo de manhã fiz o habitual ritual de dias de corrida: acordar cedo, tomar uma caneca de café, estar um pouco entregue a mim mesma e depois vestir, pegar em tudo o que tinha de levar e tomar o pequeno-almoço antes de sair pela porta. Fomos buscar a Rute, dirigimo-nos ao parque da cidade onde demos de caras com o frio e com o vento. Mesmo com toda a adrenalina o frio fazia-se sentir e muito. Entramos no primeiro autocarro da fila e em poucos minutos estávamos a chegar ao Palácio de Cristal – e é neste momento que a realidade começa a instalar-se: centenas de corredores e corredoras, a zona de partida, o ar concentrados de quem faz disto a sua vida, os olhares ansiosos de quem, como eu, ia correr pela primeira vez os 42,195 km desta prova. Quando a hora H se começa a aproximar começamos a dirigir-nos para a partida, começa a conversa de circunstância com pessoas desconhecidas, vêem-se caras conhecidas, liga-se o mp3, liga-se o relógio e aguardam-se os minutos que antecedem a partida e que sabem a horas.
PUM! Tiro de partida! ‘É agora!!’. Admito que tive de conter as lágrimas… Todas as horas, todos os quilómetros de treino, todas as dores sentidas foram esquecidas neste momento. Entrou-se em modo ‘correr’ e foi isso que se fez: ‘pé direito, pé esquerdo, respirar’!

O início foi fantástico! Centenas de corredores, boa disposição, adrenalina e amigos à nossa volta! Os primeiros 6-7 km foram corridos com a Rute em conversa constante, não estava a custar nada; no entanto, sempre que olhava para o relógio via que devia estar a ir mais devagar, mas a coisa estava a correr tão bem… A seguir ao edifício transparente demos de caras com duas personagens de Lisboa que nos alertaram para o ritmo: ‘vão muito depressa, cuidado, mais à frente vão ter dificuldades!!’. Para mim não podiam estar mais corretos, pelo que abrandei o passo; a Rute avançou – e muito bem – e entramos num ritmo confortável para cada uma de nós.

Ao longo do percurso ouvi o meu nome centenas de vezes (abençoada t-shirt! Sabe bem ver que temos apoio, mesmo de quem não conhecemos!), vi amigos que perderam a manhã de domingo para nos apoiar, dancei ao ritmo das bandas que tínhamos em alguns pontos – quando ainda o conseguia fazer! Quando chegamos à Ponte D. Luís entrei na parte que sabia que para mim ía ser mais desafiante: a porção de Gaia. Nesta zona existe pouco apoio popular e parece-me sempre a zona mais longa de qualquer corrida. No entanto também foi nesta zona que vi o Pedro e o Paulo, que iam num ritmo que para mim é alucinante e completamente dentro das suas melhores expectativas, e animei um pouco!

Antes da marca dos 27 km vi a Rute que me disse que o Paulo estava mais à frente à minha espera, e mais animada fiquei: sabia que ia ter companhia e força até ao final! Quando viramos novamente no sentido do Porto os novos amigos lisboetas deixaram-me para trás, vendo que já tinha companhia, e segui caminho com o Paulo.

Aqui começou a parte pior. Se realmente o famoso ‘muro’ existe, o meu começou a aparecer perto dos 30 km. A vontade de parar começou a surgir, o cansaço e a sensação de ‘não consigo correr mais’. A partir deste ponto caminhei por todos os pontos de abastecimento. Quando saímos para a pequena parte do percurso no sentido do Freixo o meu fantástico relógio avariou, e deixei de poder ver a cadência da minha corrida. Sei que neste ponto já não fazia grande diferença, mas foi mais uma coisa ‘contra’ mim e mais uma vez senti a motivação a baixar; mas nesta altura já faltavam menos de 10 km para acabar, por isso a única coisa a fazer era continuar!

Logo após a segunda passagem pela Ponte da Arrábida estava o Carlos novamente e mais uma vez senti a fantástica rede de apoio que todos nós, que fizemos a maratona, tínhamos dos nossos companheiros de corrida: as palavras de encorajamento deram mais um pouco de vida às pernas – já extremamente cansadas. No percurso que separa o Fluvial da Foz comecei a sentir dores mais pequenas: a base dos pés, uma bolha num dos dedos… Nesta altura a meta parecia estar noutra galáxia – admito, é algo que me aflige em todas as corridas, maiores ou mais pequenas: quanto mais próxima sei estar a meta mais começa a custar manter o ritmo e correr até à chegada.

A reta que separa a Pizza Hutt do Castelo do Queijo durou uma eternidade. Um pouco antes da rotunda surge a Paula que transmitiu uma boa parte da sua energia e ajudou a esquecer mais um pouco o cansaço, e a sensação do ‘ARE WE THERE YET??’. Mais à frente surgem o Ricardo e o Milo (que já tinham feito umas 3 maratonas só a acompanhar pessoas à meta). E foi nesta altura que comecei a ver os insufláveis! Tive uma vontade louca de parar, mas não pude, já que o Milo me obrigou a correr (‘O quê?? Parar?? Já estás a chegar, agora só paras no fim!!’ ). Aqui começaram a surgir cada vez mais caras conhecidas: os meus pais, a Ana e o Tiago, a Alberta, Susana, Catarina, a Otília!! E depois surgem dois dos outros maratonistas, o Paulo e o Pedro, que me levaram quase à meta.

Chegou o momento: A META!! Admito que naquele momento a ideia de poder parar de correr era o que me fazia continuar a correr… Ao chegar encontrei a Rute à minha espera, que me recebeu com um abraço num momento que foi fantástico!

‘CHEGUEI!! Sou maratonista!! Posso descansar!! Água, preciso de água!!’ Foram os primeiros pensamentos após cortar a meta! E depois começou a festa: o fantástico grupo a quem dão o nome de No Tomorow-Running Team conseguiu tornar um dia que já era bom num dia extremamente especial; foram incansáveis no apoio, na amizade, na simpatia, na paciência! Foi um dia especial! E mal posso esperar que chegue o próximo ano, para sermos ainda mais a cortar a meta e para eu poder retribuir parte do apoio que me foi dado!

Umas palavras para todos os que pretendem atirar-se a estas andanças, quer seja numa corrida de 5 km ou numa ultra: tudo se faz com determinação e com vontade! Há dias dificeis: o corpo queixa-se da sobrecarga, falta-nos tempo para sair com amigos, temos de deixar algumas das actividades que até gostamos de fazer por medo de não podermos correr no dia seguinte. Mas se a vontade está lá somos capazes de coisas incriveis e que, pelo menos no meu caso, nunca pensamos fazer. Por isso tentem sempre mais – com muito juizo – mas tentem! A sensação de conquista é fantástica! E acreditem, se uma pessoa que ainda há dois anos não corria 1 km sem ‘dor de burro’ conseguiu fazer uma maratona, qualquer um consegue!

Continuemos a sonhar! (Obrigada por lerem J )

Érica, a maratonista J

3 comentários:

  1. ...ora xiça...fizeste-me chorar que nem uma menina ! :D
    Muitos parabéns Érica , fantástica descrição e emoção ao ler !

    ... também vou tentar o meu sonho para o ano aí na maratona do Porto , a única diferença é que estou sozinho nesta minha "aventura" , chorei ao ler que tinhas esses amigos todos , família , até anónimos a "puxar" por ti e a "levar-te" até á meta...
    eu , se for vivo , e com saúde , vou enfrentar isso tudo sozinho , é triste , mas também deve ser "reconfortante" e avassalador !!

    obrigado pelo exemplo que és, e obrigado pela emoção que senti ao ler , muito obrigado !

    ajb

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  2. Bernardo, nada de choro, mas sim muita força!! Gostava que todos os que se querem atirar estas aventuras tivessem o mesmo apoio que sentimos neste grupo, sozinhos é uma grande e difícil jornada!! Mas se não puder haver apoio presencial existe o virtual!! Junta-te ao grupo no FB, e sempre que for preciso há deste lado, no mínimo, uma palavra de encorajamento!!

    Vemo-nos em Novembro na Maratona do Porto 2013!! :)

    (Peço desculpa pela demora na resposta, mas só agora vi o comentário!!)

    *Érica*

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  3. Muitos Parabéns Érica pelo grande feito que concretizaste,

    Assim dá gosto vir á internet e ler estes textos excelentes e motivadores para alcançar um objectivo .
    Realmente quem começa a correr, depois não consegue parar. Também começei a correr á 1 ano e meio ( já fiz 1 meia maratona ) e o objectivo desportivo deste ano é também conseguir acabar a minha 1ª maratona que espero ser a de outubro estoril-lisboa , estando já a realizar planos de treino para isso .
    Parabéns pelo ganho físico/psicológico e agora é sempre a andar.

    bj,

    décio henriques

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